Contratos de Gaveta de Imóveis: Entenda os Riscos e Implicações para o Comprador.
26/08/2025 - Informativo imobiiario
Introdução
No dinâmico mercado imobiliário brasileiro, a busca por agilidade e a tentativa de contornar a burocracia inerente à compra e venda de imóveis levam muitos a considerar alternativas informais. Entre elas, destaca-se o chamado "contrato de gaveta" – um acordo particular, sem registro em cartório, que visa transferir a posse e, por vezes, a responsabilidade sobre um imóvel. Embora possa parecer uma solução prática à primeira vista, a aquisição de um imóvel por meio de um contrato de gaveta envolve uma série de riscos e implicações legais significativas que podem comprometer a segurança jurídica do comprador. Este artigo tem como objetivo desmistificar o contrato de gaveta, explorando sua natureza, funcionamento, os perigos que ele representa e as precauções essenciais para quem se aventura nesse tipo de transação.
O que é um Contrato de Gaveta?
O contrato de gaveta é, em sua essência, um acordo informal de compra e venda de imóveis, celebrado diretamente entre o vendedor e o comprador, sem a devida formalização perante os órgãos competentes, como o Cartório de Registro de Imóveis e, em muitos casos, o Cartório de Notas para a lavratura da escritura pública. O termo "de gaveta" remete à ideia de um documento guardado em casa, sem publicidade ou registro oficial [1].
Essa prática é frequentemente adotada em situações onde as partes buscam evitar custos com impostos e taxas cartorárias, ou quando o imóvel ainda possui um financiamento ativo e o comprador assume as parcelas restantes sem a anuência da instituição financeira. Nesses casos, o contrato de gaveta serve como um compromisso particular, onde o vendedor se compromete a transferir a propriedade do imóvel ao comprador após a quitação do financiamento ou em um momento futuro, e o comprador, por sua vez, assume as obrigações financeiras relacionadas ao bem [2].
É crucial entender que, juridicamente, a propriedade de um imóvel só é transferida com o registro do título translativo (geralmente a escritura pública de compra e venda) no Cartório de Registro de Imóveis. O Código Civil Brasileiro é claro ao dispor que "enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel" [3]. Isso significa que, mesmo com um contrato de gaveta assinado e o pagamento do valor acordado, o comprador não se torna o proprietário legal do imóvel, permanecendo o vendedor como o titular do direito real.
Riscos para o Comprador
Apesar da aparente simplicidade e agilidade, a aquisição de um imóvel por meio de contrato de gaveta expõe o comprador a uma série de riscos significativos, que podem resultar na perda do imóvel e do investimento realizado. É fundamental que o comprador esteja ciente dessas vulnerabilidades antes de optar por essa modalidade de transação.
1. Ausência de Segurança Jurídica e Perda da Propriedade
Como mencionado, o contrato de gaveta não transfere a propriedade legal do imóvel. O vendedor continua sendo o proprietário perante a lei e o Cartório de Registro de Imóveis. Isso abre margem para diversos problemas:
• Venda Dupla: O vendedor, agindo de má-fé, pode vender o mesmo imóvel para uma terceira pessoa. Se essa terceira pessoa registrar a escritura primeiro, ela será considerada a legítima proprietária, e o comprador do contrato de gaveta terá apenas o direito de buscar ressarcimento judicial contra o vendedor, o que pode ser um processo longo e sem garantia de sucesso, especialmente se o vendedor não tiver bens para cobrir a dívida [4].
• Penhora e Dívidas do Vendedor: Se o vendedor contrair dívidas e sofrer execuções judiciais, o imóvel, por ainda estar em seu nome, pode ser penhorado para quitar essas dívidas. O comprador, que já pagou pelo imóvel, pode perdê-lo em um leilão judicial, sem qualquer garantia de reaver o valor investido [5].
• Falecimento do Vendedor: Em caso de falecimento do vendedor antes da formalização da transferência, o imóvel entra no inventário de seus herdeiros. O comprador terá que negociar com esses herdeiros para conseguir a escritura, o que pode ser um processo complexo, demorado e custoso, dependendo do consenso entre eles. Em alguns casos, pode ser necessária uma ação judicial para garantir o direito à propriedade [6].
• Divórcio do Vendedor: Se o vendedor for casado e se divorciar, o imóvel pode ser incluído na partilha de bens, mesmo que já tenha sido "vendido" por contrato de gaveta. Isso pode gerar disputas e impedir a transferência da propriedade para o comprador [7].
2. Problemas com Financiamento Imobiliário
Quando o contrato de gaveta envolve um imóvel financiado, os riscos se ampliam consideravelmente:
• Inadimplência do Comprador: Se o comprador do contrato de gaveta não honrar com o pagamento das parcelas do financiamento, o banco credor acionará o vendedor, que é o responsável legal pelo contrato de financiamento. Isso pode levar à inclusão do nome do vendedor em cadastros de inadimplentes e, em última instância, à execução do imóvel pelo banco, com a perda do bem por ambas as partes [8].
• Recusa do Banco em Transferir o Financiamento: A maioria dos contratos de financiamento imobiliário possui cláusulas que proíbem a transferência do imóvel sem a anuência do banco. Se o banco não for notificado e não aprovar a transferência, ele pode considerar o contrato de financiamento rescindido e exigir a quitação antecipada da dívida, ou até mesmo retomar o imóvel [9].
• Dificuldade de Obter Novo Financiamento: O comprador que adquire um imóvel por contrato de gaveta não consegue utilizar o imóvel como garantia para um novo financiamento, pois não é o proprietário legal. Isso limita suas opções financeiras futuras.
3. Implicações Fiscais e Tributárias
A informalidade do contrato de gaveta também acarreta riscos fiscais:
• Imposto de Renda: A Receita Federal pode questionar a omissão de informações sobre a transação, tanto por parte do vendedor (ganho de capital) quanto do comprador (origem dos recursos). A falta de registro formal dificulta a comprovação da aquisição e pode gerar multas e juros [10].
• ITBI e ITCMD: O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal, e o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, não são recolhidos no momento da transação informal. A regularização futura pode implicar no pagamento desses impostos com multas e juros retroativos [11].
Como Regularizar um Contrato de Gaveta?
A regularização de um contrato de gaveta é um passo fundamental para garantir a segurança jurídica do comprador e evitar os riscos mencionados anteriormente. O processo pode ser complexo e, na maioria dos casos, exige a intervenção de profissionais do direito. As principais formas de regularização incluem:
1. Transferência Direta com Anuência do Vendedor e da Instituição Financeira
Esta é a forma mais segura e recomendada, mas nem sempre a mais fácil, especialmente se o financiamento original ainda estiver ativo. Envolve a participação de todas as partes:
• Vendedor Original: Deve concordar em formalizar a venda, comparecendo ao Cartório de Notas para lavrar a escritura pública de compra e venda e, posteriormente, ao Cartório de Registro de Imóveis para o registro.
• Comprador do Contrato de Gaveta: Deverá arcar com os custos de impostos (ITBI) e taxas cartorárias para a transferência da propriedade.
• Instituição Financeira (se houver financiamento): Se o imóvel estiver financiado, a anuência do banco é crucial. O comprador do contrato de gaveta precisará passar por uma análise de crédito e assumir o financiamento formalmente, por meio de um instrumento de cessão de direitos e obrigações ou um novo contrato de financiamento. Sem a anuência do banco, a transferência da dívida não é válida, e o vendedor original continua sendo o devedor perante a instituição [12].
2. Ação de Adjudicação Compulsória
Caso o vendedor se recuse a formalizar a transferência ou não possa ser localizado, o comprador pode ingressar com uma Ação de Adjudicação Compulsória. Esta ação judicial visa obrigar o vendedor a outorgar a escritura definitiva do imóvel. Para que a ação seja bem-sucedida, o comprador precisará comprovar o pagamento integral do imóvel e a existência do contrato de gaveta [13].
3. Usucapião
Em situações onde o comprador detém a posse do imóvel por um longo período (geralmente 5, 10 ou 15 anos, dependendo do tipo de usucapião e das circunstâncias), de forma mansa, pacífica e ininterrupta, e com ânimo de dono, é possível buscar a regularização da propriedade por meio da Usucapião. Este é um processo judicial que reconhece a posse prolongada como forma de aquisição da propriedade. No entanto, é um processo demorado e que exige o cumprimento de requisitos legais específicos [14].
4. Regularização Administrativa (em alguns casos)
Em alguns municípios, existem programas de regularização fundiária que podem auxiliar na formalização de imóveis que se encontram em situação irregular, incluindo aqueles adquiridos por contratos informais. No entanto, esses programas são específicos e nem sempre se aplicam a todas as situações de contrato de gaveta.
Importante: A regularização de um contrato de gaveta é um processo que exige análise detalhada do caso concreto, considerando a legislação aplicável, a documentação existente e a disposição das partes envolvidas. A orientação de um advogado especializado em direito imobiliário é indispensável para escolher a melhor estratégia e conduzir o processo de forma segura.
Conclusão
O contrato de gaveta, embora sedutor pela sua aparente simplicidade e economia, é uma armadilha jurídica que expõe o comprador a riscos consideráveis. A ausência de registro formal impede a transferência legal da propriedade, deixando o adquirente vulnerável a ações de má-fé do vendedor, dívidas de terceiros, problemas sucessórios e dificuldades na obtenção de financiamentos. A máxima "quem não registra não é dono" é a pedra angular do direito imobiliário brasileiro e deve ser sempre o guia em qualquer transação.
Para quem já se encontra em uma situação de contrato de gaveta, a regularização é imperativa. Embora o processo possa ser complexo e exigir investimento de tempo e recursos, é o único caminho para garantir a segurança jurídica do imóvel e a tranquilidade do comprador. A busca por assessoria jurídica especializada é, portanto, não um custo, mas um investimento essencial para proteger um dos bens mais valiosos que uma pessoa pode adquirir.
Em suma, a compra e venda de imóveis deve ser sempre pautada pela formalidade e pela segurança jurídica. Ignorar os trâmites legais em busca de atalhos pode transformar o sonho da casa própria em um pesadelo burocrático e financeiro.
Referências
[1] Artigo: O que é o “contrato de gaveta” e quais são seus riscos? – Por Diogo Melo. Disponível em: https://cnbsp.org.br/2024/02/29/artigo-o-que-e-o-contrato-de-gaveta-e-quais-sao-seus-riscos-por-diogo-melo/
[2] Contrato de gaveta: o que é e como funciona?. Disponível em: https://www.quintoandar.com.br/guias/manual-imobiliario/contrato-de-gaveta/
[3] Art. 1.245 do Código Civil Brasileiro. Disponível em: https://cnbsp.org.br/2024/02/29/artigo-o-que-e-o-contrato-de-gaveta-e-quais-sao-seus-riscos-por-diogo-melo/
[4] Riscos do contrato de gaveta para o comprador. Disponível em: https://www.docusign.com/pt-br/blog/contrato-gaveta
[5] Quais os riscos de um Contrato de Gaveta?. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/quais-os-riscos-de-um-contrato-de-gaveta/1673659365
[6] Contrato de Gaveta: O que você precisa saber antes de efetuar sua .... Disponível em: https://www.marianagoncalves.com.br/post/contrato-de-gaveta-o-que-voce-precisa-saber-antes-de-efetuar-sua-negociacao
[7] Contrato de gaveta: saiba o que é e quais são os riscos. Disponível em: https://blog.nubank.com.br/contrato-de-gaveta/
[8] Contrato De Gaveta: Riscos, Validade E Como Regularizar. Disponível em: https://nradvocacia.com.br/contrato-de-gaveta-riscos-validade/
[9] Implicações ao realizar um contrato de gaveta. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/implicacoes-ao-realizar-um-contrato-de-gaveta/2973818379
[10] Regularizar Imóvel Contrato De Gaveta | Evite Riscos. Disponível em: https://nradvocacia.com.br/regularizar-imovel-contrato-de-gaveta/
[11] Aspectos jurídicos do "contrato de gaveta". Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/430701/aspectos-juridicos-do-contrato-de-gaveta
[12] JJ – Os riscos do chamado contrato de gaveta. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VSmfjU_lMkw
[13] Contrato de gaveta: o que é e como funciona?. Disponível em: https://www.quintoandar.com.br/guias/manual-imobiliario/contrato-de-gaveta/
[14] Contrato de gaveta: saiba o que é e quais são os riscos. Disponível em: https://blog.nubank.com.br/contrato-de-gaveta/
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